“Sexo e Compromisso”

“Compreendamos, pois, que o sexo reside na mente, a expressar-se no corpo espiritual, e consequentemente no corpo físico, por santuário criativo de nosso amor perante a vida, e, em razão disso, ninguém escarnecerá dele, desarmonizando-lhe as forças, sem escarnecer e desarmonizar a si mesmo.”
André Luiz/Chico Xavier – Livro: Evolução em Dois Mundos, Capítulo XVIII, em 30 de março de 1958.

Primórdios Sexuais

A continuidade da espécie é assegurada pela reprodução sexuada, em que ambos os sexos — aí nos referindo ao sexo como os caracteres masculinos e femininos — são compelidos a se associarem para ceder metade da carga genética ao novo ser que renasce. O sexo necessitou de uma característica especial que trouxesse à humanidade, a despeito das dificuldades próprias da ignorância das primeiras idades humanas, a vontade de procriar. Estabeleceu-se, então, o prazer.

É justo entender que a realização do ato sexual era desprovida de qualquer ascendência moral ou indiferente a qualquer afinidade psicológica, até porque os espíritos, como acontece ainda hoje conosco (embora em outra fase), estavam formando as características que lhes diferenciariam a individualidade. Logo, era de se esperar que o ato sexual fosse proveniente das necessidades físicas de reprodução, justificado pelo auto­matismo instintivo que fora construído pelas inteligências superiores e pelo prazer, este infimamente provido com algum sentimento timidamente projetado (característica essa tão típica dos espíritos ainda primitivos). O prazer tinha, então, a qualidade de alterar as percepções da realidade, a fim de que não fossem notados ou criados obstáculos à reprodução.

Prazer, Automatismo e Reflexo Condicionado

Sob o aspecto espiritual, o princípio inteligente evolui aprendendo e desenvolvendo seus instintos, sob os moldes determinados pelas inteligências supe­riores que tutelam os desígnios divinos, para acordar na cons­ciência da própria existência, passando à condição de espírito. Um acordar lento e gradual onde instintos convivem, num primeiro momento, com pensa­mentos inconstantes a estes para, em seguida, serem substituídos, já nos domínios do espírito, pelos pensamentos contínuos, facilitados pelo desenvolvimento da comunicação falada e consequente interação.

É fato que, assim como o princípio inteligente evolui, o sistema neurológico do perispírito e do corpo material que o manifesta, consequentemente, evolui também, desenvolvendo novas formas para acomodar-se às novas estruturas mentais que lhe são a causa primária.

O longo processo de aprendizado utiliza-se do condicionamento bem-sucedido para alcançar o automatismo fisiológico e, em grande parte, comportamental, a fim de que tenhamos hoje a mais plena liberdade espiritual para nos ocuparmos com as coisas do espírito, sem nos preocuparmos com a continuidade das tarefas fisiológicas.

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O cérebro humano se desenvolveu, conservando, contudo, as aquisições precedentes, frutos dos processos de repetição. A razão e os sentimentos passaram então a manifestar-se em outras áreas em formação, remo­delando o reflexo condicionado ou sucumbindo a ele.

O prazer associado ao automatismo tem, ainda hoje, a capacidade de obliterar as ou­­tras percepções, sentimentos e pensamentos do homem. Até porque, como herança do cérebro primitivo automatizado, as substâncias produzidas durante o ato sexual ainda podem entorpecer as distantes áreas do encéfalo que sediam as manifestações sentimentais mais nobres. É preciso lembrar que aqui falamos de capacidade e não de regra.

Impulso de Convívio, Impulso Sexual e Dor do Existir

O fato é que, do mais selvagem, passando pelos tiranos, até chegarmos ao homem atual, antes mesmo de o princípio in­­teligente acordar na condição de espírito, há algo em seu imo que o impele ao que hoje poderíamos conceituar, grosseiramente e a lato sensu, como uma carência afetiva constante, que lhe confere um impulso de convívio, fruto da necessidade do progresso. Progredir é da natureza íntima do espírito.

Tal carência, com a vênia dos queridos psicólogos, sexólogos, pedagogos e psiquiatras leitores, integra a natureza mais íntima do espírito, como força própria de sua natureza. Podemos entrever essa carência gerando um impulso de convívio a que alguns estudiosos chamam de impulso sexual ou tratam por forças da libido. Intelectualizada, mas ainda insatisfeita e incompreendida, ela se transfigura na dor do existir. É causa e efeito da necessidade da vida social que impulsiona o espírito ao progresso, ao trabalho, à conservação e ao amor.

O sexo, visto pelo aspecto físico e com finalidade puramente reprodutiva, não deve ser confundido com o impulso de convívio, característica natural do espírito gerada a partir da carência afetiva a que nos referimos anteriormente. O impulso projeta-se sobre toda a vivência social e experiência íntima do espírito, em qualquer campo em que este atue ou se situe, porque corresponde à força que o faz buscar a satisfação do existir perante o vazio quase constante da existência que logra entender.

E é aí, até hoje, que sexo e impulso sexual são tomados um pelo outro, desconsiderando que o sexo é uma fresta para a criação, pela qual o impulso criativo se projeta. Assim como a fala, a escrita, as habilidades táteis, o aprimoramento das sensibilidades gustativas e auditivas são projeções do espírito impelido à mesma busca, é necessário que o homem entenda o sexo como projeção desse mesmo espírito, manifestando no ato sexual os sentimentos e pensamentos de que se faz portador, razão pela qual podemos dizer, com extrema segurança, que a vida sexual — de cada homem e mulher — reflete o espírito na busca da satisfação afetiva, diante dos valores que abraçou e, em alguns casos, sob as circunstâncias a que se obrigou ou a que foi obrigado. O sexo, como qualquer outra expressão do ser humano, é o espelho claro de todas as aquisições da alma, não estando desnudado apenas o corpo, mas também a alma, numa projeção nítida de sua mente.

Sexo

O sexo, no aspecto anatômico e fisiológico, já nos é, em parte, conhecido. Isso porque, no que diz respeito à usina de hormônios, neurotransmissores e neurorreceptores, somos forçados a reconhecer que ainda não descortinamos a totalidade dos fenômenos neurológicos ocorridos nas atividades envolvidas com o sexo. Sob limites parecidos, ainda não compreendemos a totalidade do significado de suas sensações e símbolos, dentro do universo afetivo de cada ser.
Retomando o aspecto fisiológico do sexo, sabe-se, segundo a fisiologia moderna, que o prazer sexual é uma sensação produzida por uma série de substâncias combinadas e sob determinada concentração. O cérebro, programado para atuar perante a necessidade da continuidade da espécie, recolhe as informações selecionadas através de milhares de experiências da espécie no campo das reproduções bem-­sucedidas, recolhendo também as informações sobre as concentrações hormonais. O interesse sexual é despertado sob o influxo das percepções de nossos cinco sentidos, para ser, em seguida, orientado e manifestado pelas concentrações e respostas hormonais.

O somatório dessas informações é submetido às regras sociais, às crenças e à moral, recursos manifestados, consciente e inconscientemente, em outras áreas do cérebro, a fim de que sob a supervisão e o livre-­arbítrio do espírito, o impulso sexual possa se manifestar. A razão e a emoção, o reflexo e a aprendizagem misturam-se e contrabalançam-se, condicionando a gestão do impulso sexual às aquisições do espírito nos campos citados.

Sexo nos Espíritos

Sabemos que os espíritos não se reproduzem. Esclarecendo melhor, não criam outro espírito através do sexo. Possuem a carência existencial e, por tal, o impulso de convívio, que na forma física ganha essa moldura de impulso sexual. Não possuem, por não se reproduzirem, o sexo como o entendemos. Todavia, cumprindo determinação divina, o princípio inteligente é internado na matéria para aprimorá-la. Enquanto se aprimora, e, dadas as características predominantes em formação, às quais ainda não podemos sondar com clareza, associa-se às formas femininas ou masculinas (lembramos aqui que a natureza íntima dos espíritos é igual para todos, por isso nos referimos a uma predominância na associação ao gênero masculino ou feminino). Logo, toda inteligência, embora apresente invólucro externo masculino ou feminino, possui ampla capacidade para enveredar pelas experiências reencarnatórias no sexo oposto.

Porém, trata-se de predominância em campos que deverão ser integralmente desenvolvidos e que, para tal, se utilizarão das duas formas. Acomodado às necessidades espirituais, o espírito reencarna sob a forma que julgar mais útil, a fim de que nas experiências inerentes a cada sexo, masculino ou feminino, possa adquirir mais conhecimento e melhora moral. Afirma André Luiz, no capítulo “Diferenciação dos Sexos” (Evolução em Dois Mundos, segunda parte), que em determinado momento da evolução, após a colheita integral das experiências vividas em ambos os sexos, as características masculinas e femininas não serão preservadas, desaparecerão, não nos sendo, ainda, permitido entrever a maneira pela qual os seres angelicais gerenciam seus relacionamentos.

O Fracasso

A conduta sexual pode limitar-se apenas à exigência do prazer físico, homologada pelos costumes, hábitos, índoles, sentimentos e sensações. O sexo pode ganhar valor tão grande na projeção do impulso sexual que, não raro, sob o influxo de pensamentos e sentimentos equivocados, acompanhamos as psicoses afetivas projetando-se sobre o campo sexual, distorcendo forças naturais, desequilibrando as energias psíquicas e, por fim, requisitando a devida internação em circunstâncias que devolvam à alma a sanidade. Raciocínio e sentimentos passam a ser condicionados à satisfação do impulso sexual na forma da sexualidade torturada e insaciável, porque o espírito, não obstante os avisos que tenha recebido, acreditou que no simples prazer sexual compensaria a carência afetiva portada, inerente à sua própria natureza.

Nos enredos reencarnatórios, não raro o homem se deixa levar pelo prazer desenfreado, trocando a permuta de sentimentos nobres e compromissados (que satisfazem sua busca existencial) pelas sensações que saciam as permutas magnéticas, que entorpecem as frustrações afetivas e que desestimulam os questionamentos íntimos. Muitas vezes faz do sexo a fuga à evolução. Logo, os órgãos genitais sofrem os desequilíbrios energético-estruturais próprios do perispírito, sendo inibidos e impedidos, pelo uso desregrado e exagerado, de manifestar o impulso sexual.

Assim como o tirano produz para si o cérebro defeituoso, o delinquente da fala lesiona os órgãos de fonação, o etilista desenvolve o metabolismo sensível e o fumante reencarna sobre os dramas respiratórios, também o desequilibrado do sexo produz problemas graves, os quais não abordaremos aqui, por acharmos o tema demais complexo e sensível frente às limitações típicas de expor o assunto em um artigo. Acreditamos que o assunto deva ser mais bem esclarecido e aprofundado nos cursos, seminários, encontros e, individualmente, no serviço de acolhimento fraterno. Contudo, guardamos a assertiva de André Luiz de que “ninguém escarnecerá dele, desarmonizando-lhe as forças, sem escarnecer e desarmonizar a si mesmo”.

O Sucesso

A evolução espiritual tem natureza individual. Porém, cada alma é dotada da capacidade de interferir no psiquismo alheio. Ou seja, a evolução é individual, mas se dá coletivamente. Vale dizer que, após a fase da cons­ciência da vida espiritual, apenas o espírito responde pela própria evolução. Não estamos aqui dizendo que não temos responsabilidades uns com os outros; bem pelo contrário, sobretudo perante os irmãos e irmãs que ainda dormitam na inconsciência da vida real. Mas afirmamos que, no que diz respeito ao progresso individual, nada substitui o livre-arbítrio do pensar e sentir espirituais. Você é responsável pelo que pensa e pelo que sente, mas também pelo que faz. O outro é responsável pelo que faz, mas não é responsável pelo que você sente ou pensa, porque você tem a opção de escolher o que deve sentir e pensar sob o prisma espiritual, desde que assim queira.

Dentro dessa coletividade, exis­tem almas selecionadas que são chamadas ao convívio, forçado ou voluntário, que compartilham o desenvolvimento dos instintos, das habilidades e qualidades; almas que interferiram em nossas vidas; almas em cujas vidas interferimos. Muitas vezes nos utilizamos do sexo para interferir; mesmo quando essa não era a intenção. Mas seria o sexo um passatempo, um brinquedo?

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Não há como negar que os anticoncepcionais fizeram do sexo mais que um meio de procriação, mas, considerando que toda qualidade, habilidade ou recurso deve servir à evolução do espírito, nos questionamos se temos condições de manter o ato sexual indiferente à evolução, como se servisse apenas ao corpo. Sendo que isso, por si só, já revela uma condição do espírito.

Perante o sexo, talvez seja essa a maior dificuldade; fazer com que a vida sexual se integre à proposta de evolução. A evolução aponta para o amor e fica claro que o amor é um fim a ser atingido, é a razão de evoluirmos moralmente. O amor é um sentimento que, como qualquer outro, só pode ser desenvolvido após longos exercícios num planejamento compromissado.

É um desafio enxergarmos, no sexo, mais uma porta para o progresso. Dentro do convívio, vermos o compromisso como ferramenta única no desenvolvimento de certas habilidades e sentimentos. Aliás, gostaríamos de sugerir ao leitor que se perguntasse, sinceramente, se “há alguma habilidade racional ou sensitiva que possa ser desenvolvida sem-compromisso”. Se as qualidades, habilidades e recursos nos servem de meio de evolução, por que deixar, supondo possível, o sexo alheio a isso?

A grande verdade é que não nos parece sensato caminharmos para a desmaterialização dos gostos, para o mundo dos sentimentos e da racionalidade e agirmos como se o sexo nada tivesse a ver com isso, pouco caso fazendo do sentimento ou da evolução própria e alheia. Não estamos falando da renúncia ao prazer, até porque isso não é possível. Estamos falando da inserção do amor, do respeito, da compreensão, da cumplicidade sadia, da indulgência.

Temos que encarar a evolução, e a evolução nos leva a pensar que o prazer é uma característica do sexo, e não um sentido para ele. O sentido para o sexo é, sem-dúvida, o amor, mas nos perguntamos se é possível amar de verdade sem ter compromisso.

Conduta Sexual

Quando Kardec falava que o verdadeiro espírita seria reconhecido pela sua “transformação moral e pelo esforço que faria para domar suas más inclinações”, ele indicava um norte, um sentido para o conhecimento. Se quisermos buscar a mudança, temos que pensar: Estudo não é recolhimento. Presença não é compromisso. Caridade não é, por si só, transformação interna.

Temos que olhar para dentro de nós mesmos e, assim como fazemos em outros aspectos, olharmos para nossa conduta sexual e percebermos onde as más inclinações nos dominam. Buscarmos indícios de quanto o orgulho, a vaidade e o egoísmo nos servem de base no campo afetivo-sexual. Ou caminhamos para frente e sublimamos a manifestação do impulso sexual, ou repetimos os exercícios automatizados do passado, atrofiando estruturas perispirituais e ferindo corações.

Sendo assim, permitimo-nos agora lembrar o Mestre Jesus a recomendar “Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem”, e registrarmos uma vez mais Kardec a ensinar-nos que “Amar o próximo como a si mesmo; fazer aos outros o que desejamos que os outros façam por nós” é a expressão mais completa da caridade, pois resume todos os deveres para com o próximo. Não pode haver guia mais seguro a esse respeito do que tomar como medida do que se deve fazer aos outros, o mesmo que desejamos para nós”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, XI, item 4.)

Um Livro bem esclarecedor é “Vida e Sexo” de Emmanuel

Considerando que o sexo é um assunto presente nas várias fases da vida, é comum se questionar sobre como o tema é abordado no plano espiritual. Assumindo a relevância e as possíveis dúvidas, o autor espiritual, Emmanuel, traz-nos uma miscelânea completa acerca de como a espiritualidade trata os diversos vieses presentes na questão. Com base nos sábios e benevolentes mensageiros que orientaram Allan Kardec na codificação da Doutrina Espírita, as definições presentes nesta obra permitem ao leitor uma reformulação do pensamento e uma possível mudança na postura diante dos assuntos relacionados ao casamento, ao amor livre, ao aborto e ao adultério. São conselhos valiosos, voltados para a educação dos indivíduos no sentido de tratar dignamente o sexo, respeitando os outros e a si mesmo.

Texto de Wagner Rodrigues, retirado da Revista de Estudos Espíritas do CELD (Centro Espírita Léon Denis) Edição de Fevereiro de 2012.

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